História
Nos anos de 1960, mais precisamente em 1962, a Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP) iniciou seu efetivo funcionamento na cidade de Bauru-SP.
Com sua implantação, a população bauruense se viu diante da oferta de atendimentos antes inexistentes na região, com a criação de uma clínica odontológica; e na clínica, dentre os cidadãos que procuravam atendimento odontológico, começaram a surgir pessoas com fissura labiopalatina em busca do mesmo atendimento na então jovem Faculdade. Isso despertou o interesse de um grupo de pesquisadores da FOB.
DE CENTRO A HOSPITAL:
Entre 1965 e 1967, os pesquisadores da FOB Prof. Dr. Halim Nagem Filho, Prof. Dr. Ney Moraes e Prof. Dr. Ronaldo Flaquer da Rocha realizaram uma pesquisa cujo resultado detectou que a cada 650 crianças nascidas, uma apresentava malformação congênita labiopalatina (Nagem Filho H, Moraes N, Rocha RGF. Contribuição para o estudo da prevalência das malformações congênitas labiopalatinas na população escolar de Bauru. Rev Fac Odonto São Paulo 1968; 7:11-28).
Esse trabalho epidemiológico científico é referência considerada até os dias de hoje quando se fala em incidência de fissuras labiopalatinas na população. Tais circunstâncias levaram sete docentes da FOB a criarem, em 24 de junho de 1967, um centro de estudos interdepartamental dentro da própria Faculdade que, além de fazer pesquisas, começou a oferecer atendimento a essas pessoas (Ata da reunião de fundação do Centro de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais, 24/06/1967).
Os sete fundadores do então Centro de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais são os professores doutores: Bernardo Gonzales Vono (Departamento de Odontopediatria), Décio Rodrigues Martins (Departamento de Ortodontia), Halim Nagem Filho (Departamento de Prótese), José Alberto de Souza Freitas – o Tio Gastão (Departamento de Radiologia), Ney Moraes (Departamento de Odontologia Social), Noracylde Lima (Departamento de Anatomia) e Wadi Kassis (Departamento de Cirurgia). A origem do apelido carinhoso de “Centrinho”, dado pelos pacientes à instituição, deve-se ao nome com que foi criado (o Centro).
O Hospital foi pioneiro no tratamento de fissuras labiopalatinas no Brasil, dedicando até hoje 100% de sua capacidade instalada a usuários do SUS(ver mais).
Em 25 de março de 1976, o então governador Paulo Egydio Martins modificou o Regimento Geral da USP pelo Decreto 7734/76, criando o chamado Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais (HPRLLP, hoje HRAC-USP) e o Hospital Universitário (HU-USP), após a aprovação tanto do Conselho Universitário da USP como do Conselho Estadual de Educação. A Unidade, assim, foi transformada em unidade hospitalar autônoma com o nome de Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais (HPRLLP-USP), passando a ser vinculado diretamente à Reitoria da USP.
Em 1980, o HRAC foi o primeiro hospital universitário conveniado com órgãos públicos de saúde, no caso, o INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, substituído pelo Sistema Único de Saúde – SUS em 1988. O objetivo do convênio era oferecer atendimento universal e gratuito à população na área de fissuras labiopalatinas.
Com o tempo, o Centrinho passou a receber cada vez mais pessoas de todas as regiões do país, à medida em que foi se espalhando a notícia da existência de um serviço que oferecia um atendimento tão específico e especializado numa área em que o país apresentava grande carência. Um fluxo constante de outras malformações craniofaciais, cujos pacientes não encontravam atendimento em outros locais, começou a surgir no Hospital.
Em 06 de maio de 1998, recebeu nova denominação (Resolução RUSP no. 4564), em vigor até hoje: Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC-USP), devido à ampliação do seu campo de atividade. (A resolução original foi alterada em três ocasiões posteriores pelas Resoluções RUSP 4652/99, 5517/99 e 5800/2008, por pequenas adequações de redação).
Hoje, o HRAC-USP já ultrapassou a marca de 100 mil pacientes atendidos nas áreas de fissuras labiopalatinas, anomalias craniofaciais congênitas e deficiência auditiva. Sua equipe multidisciplinar, altamente qualificada, presta atendimento integral e humanizado aos seus pacientes. Também é reconhecido como centro de referência dentro e fora do País.
PESQUISAS COMO PARÂMETRO:
A evolução do tratamento no HRAC sempre foi baseado em extensa pesquisa em busca da melhor solução para cada etapa; comprovada sua eficácia, os recursos são incorporados na rotina de reabilitação, na medida do possível. No que se refere ao tratamento das fissuras labiopalatinas, em 1978 foi realizada no HRAC a primeira cirurgia ortognática em paciente fissurado no Brasil, com equipe supervisionada por Dr. Larry Wolford (Baylor College, Texas, USA). Já no ano de 1989 o cirurgião sueco Per-Ingvar Branemark acompanhou, no HRAC, o primeiro implante osteointegrado intraoral para tratamento da fissura labiopalatina.
Em 2010, O HRAC deu início ao uso de proteínas morfogenéticas ósseas em cirurgias de enxerto ósseo, alternativa que a bioengenharia óssea encontrou na busca de um substitutivo ósseo sintético que proporcione índices de sucesso significativos, com menor morbidade.
Todos esses recursos representam ganho significativo no processo de reabilitação para o paciente com fissura. Para casos em que a cirurgia não se configura como melhor alternativa, o HRAC tem como opção as próteses de palato.
As próteses de palato e obturadores faríngeos são utilizados em pacientes com fissura de palato congênita com problemas neurológicos e com fissura de palato adquirida. Com o uso de uma única prótese deixam de ser realizadas uma ou mais cirurgias, além de possibilitar a reposição de dentes ausentes, quando necessário. Essa solução representa ainda redução de custos nos tratamentos cirúrgico e odontológico, independentemente da redução de riscos. Sua confecção envolve etapas de moldagem e confecção em laboratório.
SAÚDE AUDITIVA:
No ano de 1985, o Hospital iniciou atendimentos na área de deficiência auditiva, inspirado por resultados de um censo populacional realizado na cidade de Bauru em 1981, o Censo das Pessoas Deficientes, e pela então carência de atendimento público na área. O projeto foi iniciado em parceria com alunos de graduação em fonoaudiologia da Universidade do Sagrado Coração (USC), em Bauru. Os atendimentos, supervisionados por profissionais de fonoaudiologia do Hospital, eram realizados aos sábados no ambulatório do HRAC por alunos e um médico voluntário que cursava residência em otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Botucatu – Unesp. O programa foi crescendo com o apoio do Lions Club de Bauru e passou a se chamar Associação de Deficientes Auditivos (ADA). Em dezembro de 1987, a ADA se transformou em Laboratório de Estimulação da Audição e Linguagem (LEAL) e foi integrado à estrutura do Hospital, com equipe interdisciplinar.
Em 1990, o LEAL passou a ser chamado de CEDALVI – Centro de Atendimento aos Distúrbios da Audição, Linguagem e Visão e, em 1998, sua denominação foi alterada para Divisão de Saúde Auditiva, em função de alteração regimental do HRAC.
No que se refere a inovações tecnológicas, em 1990, o HRAC realizou a primeira cirurgia de implante coclear multicanal no país, com equipe conduzida pelo Prof. Dr. Orozimbo Alves Costa Filho e Profa. Dra. Maria Cecília Bevilacqua. Considerado até hoje uma das tecnologias de ponta na reabilitação, o implante coclear é um dispositivo eletrônico que estimula diretamente o nervo auditivo por meio de pequenos eletrodos colocados dentro da cóclea, substituindo parcialmente as funções desta parte do ouvido interno. A tecnologia é indicada para pessoas com deficiência auditiva profunda e/ou profunda para severa que não se beneficiam com o uso de aparelhos de amplificação sonora individuais (AASI). Até hoje (2016), já foram realizadas com sucesso mais de 1.500 cirurgias de implante.
Em 2012, o HRAC iniciou um tratamento inédito no Brasil: o uso de próteses auditivas cirurgicamente implantáveis de orelha média. Trata-se da intervenção indicada para pessoas que não se beneficiam com o AASI ou que não podem usá-lo por questões médicas, como alterações anatômicas congênitas da orelha externa e ouvido médio. O dispositivo é a solução adequada para restaurar a audição desses pacientes e, além disso, a evolução das técnicas cirúrgicas permite segurança e resultados homogêneos na implantação destes componentes. Esse tipo de prótese promove a sensação auditiva por meio de vibrações e estímulo diretamente nas estruturas do ouvido médio.
Intensificando as iniciativas em busca por novas tecnologias e soluções para o tratamento das deficiências auditivas, envolvendo inovações em práticas clínicas e cirúrgicas, o HRAC iniciou em 2014 o uso de novas próteses auditivas implantadas cirurgicamente ancoradas no osso, beneficiando pacientes com perda auditiva moderada a severa que não podem utilizar aparelhos convencionais ou implante coclear por motivos médicos (como malformação de orelha ou otites crônicas).
Trata-se de um dispositivo que transmite as ondas sonoras através do osso craniano diretamente para o ouvido interno. Ao contrário de outros sistemas de condução óssea, minimiza o risco de irritação da pele, e a estimulação direta do osso promove ótimos resultados na transmissão do som. As indicações de cada uma dessas duas próteses são distintas e realizadas após avaliação médica com otorrinolaringologista e completa avaliação audiológica e exames de imagem, pois variam conforme as características audiológicas e anatômicas de cada paciente.
O grau de expertise da equipe do HRAC na área é reconhecido e tem gerado convites para colaboração em projetos e discussões sobre saúde auditiva. Como, por exemplo, o convite em 1998 para que pesquisadores do Hospital colaborassem com o “Projeto Inovações no Ensino Básico” do Banco Mundial, em etapa desenvolvida no ano de 1999 no Estado de São Paulo, subnomeada de Programa Saúde Auditiva.
A colaboração se consolidou com uma parceria entre HRAC, Universidade de São Paulo, Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e Fundação para o Estudo e Tratamento das Deformidades Crânio-Faciais (Funcraf – Bauru). Essa etapa do projeto foi desenvolvida prioritariamente na Grande São Paulo e no Vale do Ribeira (SP), com triagens auditivas viabilizadas por dois trailers auditivos equipados com cabine acústica e instrumental, adquiridos com recursos do Programa – e hoje à disposição da USP-Bauru. Do documento que contém o projeto original, “Brazil – Innovations in Basic Education Project”, destaca-se: “(…) Foram triadas 19.637 crianças, realizados treinamentos envolvendo 6.991 pessoas (196 turmas) entre profissionais de educação, pais e comunidades em geral.” (página 65).
FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS:
Na área de ensino, o HRAC iniciou ações no ano de 1990, quando passou a oferecer cursos de especialização lato sensu, com ênfase nas especialidades de Odontologia. Com vocação para o ensino, iniciou em 1998 o Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, com cursos de mestrado e doutorado. Na mesma época (1997), teve início o Programa de Aprimoramento Profissional na Área da Saúde – Reabilitação das Anomalias Craniofaciais (PAP), com apoio da FUNDAP – Fundação do Desenvolvimento Administrativo de São Paulo. Dando sequência à implementação de atividades de ensino, o HRAC atingiu o objetivo de oferecer um programa de residência médica.
No ano de 2000, iniciou o Programa de Residência Médica em Otorrinolaringologia, estruturado em três níveis (R1, R2 e R3) e que oferece um diferencial na área: aprendizado em implante coclear. Com a criação pelo Ministério da Saúde dos programas de residência multiprofissionais, ampliou-se as alternativas de formação de recursos humanos especializados.
O HRAC, aderindo à modalidade, criou em 2010 o Programa de Residência Multiprofissional em Síndromes e Anomalias Associadas e, em 2013, o Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Auditiva. Até dezembro de 2015, foram titulados mais de 1.300 profissionais, considerando todos os programas de ensino do HRAC. Hoje, o HRAC oferece um programa de pós-graduação stricto sensu com cursos de Mestrado e de Doutorado, e diversos programas lato sensu e de cultura e extensão, todos gratuitos e de média duração, em geral, dois anos de desenvolvimento.
Prêmios recebidos
RECEBIDOS PELO HRAC (Institucionais):
• Qualidade Hospitalar 2000, concedido pelo Ministério da Saúde como resultado de pesquisa de satisfação dos usuários (ano 2000)
• Prêmio da Organização Mundial da Saúde (OMS) em reconhecimento à colaboração do HRAC para o desenvolvimento de pesquisas, do tratamento e da prevenção das anomalias craniofaciais (ano 2001, na Suécia)
• Prêmio Melhores Hospitais do Estado 2009 (6º lugar, nota final: 9,330), concedido pelo Governo do Estado de São Paulo, após apuração junto aos usuários
• Prêmio Melhores Hospitais do Estado 2010 (4º lugar, nota final: 9,384), concedido pelo Governo do Estado de São Paulo, após apuração junto aos usuários
• Prêmio Melhores Hospitais do Estado 2011 (8º lugar, nota final: 9,477), concedido pelo Governo do Estado de São Paulo, após apuração junto aos usuários
• Prêmio Melhores Hospitais do Estado 2014 (finalista, ficando entre os três melhores na categoria “Internação Humanizada – Interior”), classificação aferida pelo pelo Governo do Estado de São Paulo, após apuração junto aos usuários
• Moção de Aplauso (Câmara Municipal de Bauru), “pela comemoração do Jubileu de Ouro” do HRAC e “pela importância do trabalho desenvolvido como excelência na saúde pública” (2017)
• Prêmio Atenção (Revista Atenção). Homenagem pelos 50 anos do HRAC (2017)
• Troféu Direitos Humanos – “Dr. Gastão de Moura Maia Filho” (OAB), em reconhecimento à atuação do HRAC na defesa dos direitos humanos (2019)
• Prêmio Centros de Luz AAMS (Academia de Ciências Miofuncionais Aplicadas dos EUA), pela liderança interdisciplinar no avanço da medicina relacionada à terapia miofuncional (Estados Unidos, 2020)
RECEBIDOS POR EQUIPES (Pesquisadores, alunos e membros da equipe do HRAC):
• Prêmio Mario Covas – Excelência e Inovação em Gestão Pública (2008), concedido pelo Governo do Estado de São Paulo. O trabalho “Gerenciamento de Materiais Hospitalares no HRAC-USP: planejar é preciso!” ficou entre os cinco vencedores do Prêmio Mário Covas. Promovido pela Fundap (Fundação do Desenvolvimento Administrativo de São Paulo) e pelo Governo do Estado, o prêmio busca identificar e valorizar as boas práticas de gestão pública, bem como aumentar a eficiência do Estado e melhorar o atendimento à população. Equipe responsável: Kátia Rosana Gomes, Mara Silvia Lyra Campos, Maria Irene Bachega, Vitor Estevam Bastos Pereira e Marcos Paulo da Silva.
• Prêmio CAPES de Teses 2008, melhor tese da área Educação Física, grande área Ciências da Saúde. Recebido por Ana Paula Fukushiro, aluna de Doutorado do Programa de Pós Graduação em Ciências do HRAC. A tese “Análise perceptiva, nasométrica e aerodinâmica da fala de indivíduos submetidos à cirurgia de retalho faríngeo para a correção da insuficiência velofaríngea” foi orientada pela Profa. Dra. Inge Elly Kiemle Trindade.
• Olimpíada USP de Inovação 2011, medalha de ouro em “Tecnologias da Saúde e Biológicas”. Fruto de uma pesquisa de doutorado do HRAC, o trabalho “Aparelho expansor ortopédico maxilar diferencial” resultou inclusive em depósito de patente no INPI. A equipe ganhadora é composta por: Dra. Rita de Cássia Moura Carvalho Lauris – então doutoranda, Profa. Dra. Daniela Gamba Garib Carreira – orientadora do trabalho, e os técnicos do Laboratório de Odontologia do HRAC, Lourival Garcia e Vagner Pereira.
• Prêmio Saúde 2012 da Editora Abril, na categoria “Saúde Bucal”. O trabalho, intitulado “Prótese de palato para corrigir problemas de fala: funcionamento velofaríngeo com e sem prótese de palato após a palatoplastia”, tem como autores: Profa. Dra. Maria Inês Pegoraro-Krook (docente da FOB e do HRAC), Profa. Dra. Jeniffer de Cássia Rillo Dutka (docente da FOB e do HRAC), Raquel Rodrigues Rosa (fonoaudióloga da FOB), Homero Carneiro Aferri e Mônica Moraes Waldemarin Lopes (cirurgiões-dentistas do HRAC), Melina Evangelista Whitaker e Josiane Fernandes Denardi Alves Neves (fonoaudiólogas do HRAC) e Olívia Mesquita Vieira de Souza (doutoranda do HRAC e fonoaudióloga).
• Prêmio Tese Destaque USP 2015 – Menção Honrosa (Área Multidisciplinar). A tese da aluna de doutorado Rita de Cássia Moura Carvalho Lauris, intitulada “Avaliação dos efeitos dentoesqueléticos da expansão rápida diferencial da maxila em pacientes com fissura labiopalatina completa e bilateral”, recebeu Menção Honrosa na 4ª edição do “Prêmio Tese Destaque USP”, na grande área Multidisciplinar. O trabalho foi orientado pela Profa. Dra. Daniela Gamba Garib Carreira.
• Prêmio de Incentivo em Ciência e Tecnologia para o SUS 2016 – Menção Honrosa. A monografia “A experiência de mães de crianças candidatas e usuárias de implante coclear participantes de uma rede social on-line”, de autoria de Ana Luiza Martins Apolônio, residente em Psicologia na Residência Multiprofissional em Saúde Auditiva (turma 2014/2015), recebeu Menção Honrosa no “Prêmio de Incentivo em Ciência e Tecnologia para o SUS 2016”, na categoria Monografia de Especialização ou Residência. O trabalho havia sido selecionado como um dos cinco finalistas na categoria e foi desenvolvido sob orientação da psicóloga Midori Otake Yamada, da Seção de Implante Coclear do HRAC-USP, e coorientação da fonoaudióloga Marina Morettin Zupelari, do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP.
• Prêmio Tese Destaque USP 2018 – Menção Honrosa (Área Multidisciplinar). A tese da aluna de doutorado Letícia Dominguez Campos, intitulada “Vias aéreas superiores e desordens respiratórias do sono em indivíduos com fissura labiopalatina e discrepância maxilomandibular: análise por polissonografia, tomografia computadorizada de feixe cônico e fluidodinâmica computacional”, recebeu Menção Honrosa na edição 2018 do “Prêmio Tese Destaque USP”, na grande área Multidisciplinar. O trabalho foi orientado pela Profa. Dra. Inge Elly Kiemle Trindade e coorientado pela Profa. Dra. Ivy Kiemle Trindade Suedam.
Publicação especial
- Revista Gerações (publicação especial comemorativa dos 40 anos do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo – junho/2007)
O Centrinho visto sob outros olhares
Meu filho nasceu com o lábio partido. Por José Reis* (ver artigo) Extraordinário centro de reabilitação de lesões labiopalatais destaca-se na paisagem universitária de Bauru. Alojado num edifício simples e funcional, dentro do campus USP da cidade, o centro tem história ainda curta, porém marcada por enorme êxito. Nasceu de muito idealismo e assim está sendo mantido. Quando se fala em lesões labiopalatais o que se tem em vista são aqueles casos de pessoas que nascem com o lábio fendido, anomalia que pode acompanhar-se de fissura também no céu da boca e, na maioria dos casos, de perturbações dentárias, da fala e do comportamento. A anomalia pode ser corrigida pelo esforço combinado da medicina, da odontologia, da foniatria e da psicologia, entre outras especialidades. Como não pouco dos atingidos são pessoas de classe menos provida de recursos, que dificilmente conseguiriam tratamento completo sob todos os aspectos que referimos, o Centro de Pesquisa e Lesões Labiopalatais presta assistência gratuita. O Centrinho de Bauru surgiu da verificação estatística, feita por pesquisadores da Faculdade de Odontologia – gente moça, capaz e decidida – de que naquela região o índice de prevalência de lesões labiopalatais é bem mais alto que a média geralmente registrada em outros lugares, pelo mundo afora, e que todos os pacientes, operados ou não, sofriam de, pelo menos, um distúrbio funcional a elas ligado. Começou então o apostólico trabalho de chamar, sem alarde, mas com paciência, os que sofrem da anomalia para submetê-los a completo exame e tratamento reabilitador, que apague, não apenas os traços mais berrantes da lesão, mas todas suas conseqüências, na medida do cientificamente possível, isto é, até onde podem ir, ajudando-se mutuamente, o amor à ciência e o amor ao próximo. Ajunte-se a esses méritos o de tratar-se de organização voltada a trabalho numa área – a reabilitação – muitas vezes negligenciada pela sociedade, como decorrência de arraigados preconceitos. De fato, quando se fala em reabilitação, muitos, tomando conhecimento de que ela se dirige a minorias, logo se põem a indagar indiferentemente: por que gastar tempo e dinheiro com uns poucos aflitos, quando existem tantos e tantos problemas da maioria ainda não resolvidos? Os problemas da maioria, em que esses indiferentes pensam, quando assim raciocinam, costumam ser questões que afetam o seu conforto pessoal. Por isso as obras dedicadas à reabilitação – e temos várias que causam admiração! – costumam nascer da liderança de algumas pessoas de fé inquebrantável e de profunda solidariedade humana. Os indiferentes também não se atentam para o circulo vicioso que criam. Deixando de reabilitar os deficientes, marginalizam-nos e assim lhes tiram oportunidades de trabalho e vida digna e autônoma, colocando-os na dependência paternalista de alguns. Felizmente a lesão labiopalatal é corrigível. Mas, para perfeita correção é necessária a ação integrada de vários especialistas. O ideal é começar o tratamento logo que a criança nasce, para evitar que se instalem as complicações. Não basta, porém, começá-lo. Ele precisa continuar durante o período de crescimento. Por aí se vê que o tratamento é difícil e complexo. Mas é tratamento que tem êxito, que restitui a pessoa à normalidade. O Centrinho de Bauru acha-se perfeitamente organizado para o tratamento integrado, que é planejado em cada caso, determinando-se o momento e a quantidade de participação de cada área em particular. Não é esse o único do Brasil em que se atendem pacientes com esse tipo de lesão. O que se torna, entretanto, digno de especial menção é o espírito com que se faz o tratamento num núcleo universitário em que espontaneamente agregou a seus misteres de pesquisa e ensino a tarefa de prestar auxílio direto à comunidade no campo da reabilitação. Se há interesse científico em estudar cada vez mais a fundo as lesões labiopalatais, não se esgotou nessa curiosidade investigadora o interesse dos profissionais e cientistas da universidade. Os que começaram e mantêm o Centrinho sentiram profundamente os problemas humanos envolvidos no caso. Viram nitidamente o drama de cada homem ou mulher, de cada criança e de cada família atingida pela anomalia. Reuniram-se em equipe e dispuseram-se a dar a muitos aquilo que eles jamais poderiam ter por falta de recursos materiais: o tratamento completo, integrado, que evita complicações e corrige, na medida do possível, os defeitos resultantes de tratamentos parciais. *JOSÉ REIS (12/06/1907 – 16/05/2002) foi cientista, jornalista especializado em divulgação da ciência, editor, escritor e um dos fundadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) (Trecho retirado de artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, de 11/11/1973) . Veja o artigo original. Meu filho nasceu com o lábio partido. Por José Reis* (clique para fechar)
Conga = Nike. Por Rubem Alves*, narrado pelo próprio. (ver vídeo) No coração de cada mulher grávida mora uma pergunta dolorida, da qual não há jeito de fugir: “Será que ele vai ser perfeito?”. Os que ouvem tratam de enxotar o fantasma. “Deixe de pensar nisto! Tudo vai terminar bem”. Mas a grávida está certa. Ela tem consciência do ser fantástico que vai se formando dentro da sua carne: um corpo. Milhões de coisas têm de acontecer direitinho, na ordem certa, no momento exato. E sobre elas, ela nada sabe e nada há que ela possa fazer. Acontece que há leis sobre as probabilidades que diz que, se uma coisa pode não dar certo, mais cedo ou mais tarde ela acabará acontecendo. E as probabilidades de que a natureza se atrapalhe são muito maiores de as de ganhar na loteria. A formação de uma criança é de fato uma loteria: joga-se sempre com a possibilidade de que algo errado aconteça. A probabilidade é pequena, mas existe. E quando ele acontece, o filho não recebe aquilo que para ele havíamos desejado e sonhado. O erro da natureza pode aparecer em muitos lugares diferentes do corpo. Tudo depende de onde e como a natureza tropeçou. As dores são duas. Primeiro, a dor do erro mesmo da natureza, visível no corpo da criança. Depois – talvez a mais doída – a dor do espanto que se pode ver nos olhos das outras pessoas. Talvez que fosse possível conviver muito bem com o corpo, a despeito das marcas. Mas os olhos dos outros não o permitem. Pois cada olhar está dizendo: “No seu corpo está estampada a diferença…”. Há muitos lugares do corpo que podem ser escondidos. Segundo o mito bíblico, para isto se criaram as roupas para furtar o lugar da vergonha da dor do olhar do outro. Há um lugar, entretanto, que não pode ser escondido: o rosto. Pois o rosto é aquilo que oferecemos ao outro, como revelação do nosso ser. Todos queremos ser belos! Quando o rosto não é belo, vem a tristeza. E de nada adianta os tolos conselhos religiosos de que mais vale a beleza da alma. É o rosto que se contempla, é o rosto que se acaricia… Ah! Como é verdadeira a história do patinho feio…Cada patinho feio sonha com o grande milagre de sua transformação num cisne. Pois eu acabo de voltar de um lugar onde os homens e mulheres trabalham para realizar esta grande transformação. Para ali vão aqueles em que o erro da natureza deixou as suas marcas no rosto. Já havia estado lá outras vezes. Mas,desta vez, fiquei mais tempo. E, na espera, pensei muito. Conclui que, em toda a minha vida, nunca estive num lugar mais democrático. Ali todas as diferenças se misturam, todas as diferenças desaparecem. Na sala de espera repleta a cada dia com mais de 80 lugares, está presente uma amostra da sociedade brasileira. Rostos, corpos, roupas, vozes, fazem a imaginação ir longe. Há os brancos, os negros, os mulatos, os rostos com traços índios, os olhos puxados orientais…Prestando a atenção nas conversas há sotaques que nos levam para um mundo rural, a deliciosa música caipira, a voz cantada dos nordestinos, os causos arrastados dos mineiros, os esses simbilantes dos cariocas, a fala matcha dos gaúchos. Especialmente instrutivo é o exame dos pés. Os pés contam histórias dos lugares por onde andam, caminhos de terra ou salas acarpetadas. Sandálias havaianas, tênis Nike, alpercatas, botinas, sapatos rústicos, sapatos finos… Mas todas estas diferenças ali perdem o seu sentido. Como se não existissem. Porque todos os ricos e pobres, semi-analfabetos e universitários, empregadas domésticas e empresários, estão unidos por um destino comum: foram igualmente feridos por um equívoco da natureza. Ali é um lugar onde ninguém tem medo do olhar do outro. Todos os olhares revelam uma fraternidade. E me veio esta idéia: de que o sofrimento comum tem um poder para criar um sentimento de irmandade de que a felicidade não tem. “Somos todos iguais, somos todos irmãos”. E me surpreendi com a diferença da sociologia daquela sala de espera, comparada à sociologia da sala de espera dos consultórios médicos. Os consultórios médicos são marcados pelo silêncio, cada qual mergulhado na sua dor secreta. A sala de espera de um médico é uma experiência de solidão há um segredo a ser preservado. Mas ali, naquele lugar, não há segredos. A verdade se revela nas marcas visíveis do rosto de cada um. E porque não há segredos, as pessoas se sentem próximas e amigas. O corpo que a natureza feriu é o pão eucarístico que se come. O que é surpreendente é que este lugar exista e continue a existir neste Brasil onde as organizações sociais de saúde apodrecem. Tênis Nike não tem prioridade sobre sandálias havaianas e o dinheiro do empresário não lhe compra um atendimento diferenciado. Depois de internadas crianças e adultos, ricos e pobres, trazem nos pés as marcas da sua absoluta igualdade: todos usam congas azuis… E tudo pelo mesmo preço: nada. Pensei que ali se encontra um exemplo vivo daquele sonho, jamais realizado, que recebeu o nome de socialismo: uma sociedade em que os homens e que as mulheres são tratados segundo os seus sofrimentos, não importando as marcas de pobreza ou riqueza que possam trazer nos pés. Naquela sala de espera vi acenderem-se as minhas esperanças políticas. Os sonhos podem ser realizados, mesmo os mais utópicos, se os homens assim o desejarem e por eles lutarem. A esperança de uma sociedade fraterna é algo por que vale a pena lutar. Aconselho pois, aos desiludidos, que parem de se queixar e visitem aquele lugar. Onde se encontra? É o Hospital de Reabilitacão de Anomalias Craniofaciais, da Universidade de São Paulo, em Bauru. Ali cada rosto marcado pelo erro da natureza exibe uma outra marca: a marca da esperança e da alegria. *RUBEM ALVES (15/09/1933 – 19/07/2014) foi escritor, filósofo, professor da Unicamp e pai de paciente do Centrinho-USP. Conga = Nike. Por Rubem Alves*, narrado pelo próprio. (clique para fechar)